quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Resenha de Crepúsculo dos Ídolos

Em nossos tempos, o pensamento, confortado com desconcertantes e inauditos cenários, vê-se instigado a estabelecer conexões capazes de produzir um novo solo para a reflexão filosófica a criar redes conceituais suficientemente potentes para acolher a complexidade específica à situação atual.
Conectando diversos tempos, atravessando diferentes campos do pensamento, configurando novos objetos de investigação, procurando, enfim, ultrapassar os limites do até então pensável, nós filósofos temos o dever de pensar o impensável, de não nos limitarmos pelas dificuldades e pela repressão dos ditos moralistas.
Temos que identificar falsos problemas, questões mal colocadas e apostar na perda de parâmetros como um verdadeiro convite à alegria de sua própria reinvenção. Temos que “desmascarar” todos os preconceitos e ilusões do gênero humano, ousar olhar, sem temor, aquilo que se esconde por trás de valores universalmente aceitos, por trás das grandes e pequenas verdades melhor assentadas, por trás dos ideais que serviram de base para a civilização e nortearam o rumo dos acontecimentos históricos. Não devemos nos prender somente ao que já foi pensado, muito pelo contrário. Concordaremos, discordaremos e/ou acrescentaremos algo no pensamento dos filósofos anteriores.
Em “Crepúsculo dos Ídolos”, o autor Friedrich Wilhelm Nietzsche, descreve seu livro como “uma grande declaração de guerra”. E de certa forma esta é uma “guerra” contra a moral, contra o pensamento religioso estagnado no nada, de forma que choca até hoje quem o lê.
Colocando os juízos de valor sobre a vida como imbecilidades, o autor nos demonstra que tais valores nem sequer existem. Esses valores tratados pela religião como um todo, são apenas sintomas da doença da ilusão da realidade. Pois o real valor da vida não pode ser avaliado por meros mortais. Sendo seres viventes, sendo parte da vida, não podemos julgá-la. Não somos juízes do além e muito menos os mortos julgam alguma coisa.
Entra aqui o valoroso papel do filósofo. Ele se encontra arrebatado pelo sofrimento de estar vivo e compreender a decadência dos que julgam a vida. Mas é por isso, pelo fato de ser filósofo e compreender este além da vida, que o filósofo não se cala, sente a angústia de compartilhar o que raramente alguém poderia pensar.
Um pensamento interessante em “Crepúsculo dos Ídolos” é a associação que Nietzsche fez entre a felicidade e os instintos em uma vida em ascensão. Ele trata a felicidade como sendo igual aos instintos, como dependente direta dos instintos humanos. E isso é radicalmente contraposto ao pensamento religioso, que impõe que os instintos precisam ser combatidos, limitados, podados. Se os instintos são essenciais à vida, então fica claro que o pensamento religioso é algo contranatureza humana. A religião ao pregar a vida eterna feliz, acaba pregando a vida presente mortificada pelo marasmo do controle da vivência natural de Ser. Desta mesma forma acontece com os sentidos. Para não sofrer, o pensamento religioso combate as paixões suprimindo (Nietzsche usa os termos “castrando” e “extirpando”) os sentidos de forma antinatural, já que os sentidos são essenciais à vida.
E como tratar o pensamento religioso acerca das paixões? A igreja primitiva lutou contra os “Inteligentes” em favor dos “pobres de Espírito”: como seria possível esperar dela uma guerra inteligente contra a paixão? Então a “espiritualização da paixão” não cabe de forma alguma no mesmo patamar que a religião. Ao invés de espiritualizar a paixão, os religiosos preferem suprimi-la. Pois as paixões causam alegrias, mas principalmente causam tormentos e sofrimentos. O papel do pensamento religioso aqui é atacar o sofrimento em sua raiz para evitar que o ser humano sofra. Mas, sendo o sofrimento algo natural à vida, o que fica claro é que atacar o sofrimento na raiz é o mesmo que atacar a vida na raiz. Então “a práxis da igreja é inimiga da vida...”.
Levando mais em conta agora o cristianismo, percebemos ao analisarmos o “Crepúsculo dos Ídolos”, que a confiança em Deus existe porque o sentimento de plenitude e de força entrega o indivíduo à quietude, à obediência, à servidão e todos esses adjetivos de decadência. Possui uma moral de comando, na qual seu servo não pode errar por medo de um além mau, por medo de um castigo eterno. O pensamento religioso trata-se de uma libertação escravizada pela razão (teologia), que só faz apertar-lhe os grilhões, enclaustrando a vida humana digna e livre.
Sobre isso, meus senhores, não vale á pena criticarmos mais gastando tempo e tinta, pois para o decadente cristão seu Deus e sua moral não podem ser criticados, são verdades desde sempre estabelecidas. E já que estão satisfeitos com sua forma subserviente de vida, só o que tenho a fazer é deixar noticiado esta forma sub-humana de viver. 

Fonte: Dark Autopsy

0 comentários:

Postar um comentário