sábado, 3 de dezembro de 2011

Análise: Fado Tropical, de Chico Buarque de Holanda




Para entender a música precisamos conhecer quem compôs, por que compôs, algumas situações, e o que ela quer dizer.
A música “Fado Tropical”, composição de Chico Buarque e Ruy Guerra, Foi escrita no período da ditadura militar que podemos descrevê-la como um período em que o Brasil era governado pelos militares, um período de 21 anos com repressões á quem era contra o regime militar, marcado pela falta de democracia, censura e perseguição política.
Alguns artistas daquela época, que costumava escrever suas músicas baseadas na crítica á política, ficaram um pouco acuados pela censura, pelo fato de todo e qualquer veículo de comunicação ter que passar pela aprovação dos agentes especializados. Mas, enquanto uns se escondiam, outros usavam artimanhas como duplo sentido que passava despercebido pela fiscalização, um exemplo claro é a música “Cálice” de Chico Buarque e Gilberto Gil, que além do sentido religioso trazia por trás a crítica ao governo militar. E ai aparece novamente Chico Buarque.
Foi um dos artistas que se sobressaíram nessa época. Chico Buarque nasceu no Rio de Janeiro (1944) é músico, dramaturgo e escritor. Iniciou sua carrreira em 1960 quando ganhou o festival de MPB, com sua sutileza, ele driblou a ditadura com as suas letras. Ruy Guerra é um cineasta português nasceu em Moçambique (1931) seu filme de maior sucesso foi A queda em 1976.
Juntos, esses dois artistas escreveram a música exclusivamente para a peça “Calabar – “O elogio da traição”. A peça fala sobre a posição de Domingos Fernandes Calabar quando ele preferiu tomar partido ao lado dos holandeses contra a coroa portuguesa. Foi uma peça musicada, com alguns sucessos de Chico Buarque como "Cala a boca, Bárbara" e “Não existe pecado ao sul do Equador" (cantada com Nando Reis). Em 1974, Quando já estava escrita foi proibida pela censura por conter o nome Calabar e em 1980 a peça foi reformulada e liberada pela censura.

Análise


Oh, musa do meu fado
Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado
No primeiro abril
Mas não sê tão ingrata
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
"Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo ( além da sífilis, é claro)
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."
Com avencas na caatinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata
Arrebata um beijo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
"Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa"
Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre trás-os-montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial



Vocabulário:
Consternado: abater, abalar
Lirismo: sentimento forte, como paixão, cheio de emoção, entusiasmo, ardor.
Alentejo: Região Portuguesa
Bravata: Intimidação, ameaça arrogante
Presto: ligeiro, rápido, veloz, ágil
Incesto: Relação sexual entre parentes próximos
Proa: Frente do navio
Pororoca: é um fenômeno natural caracterizado por grandes e violentas ondas que são formadas a partir do encontro das águas do mar com as águas do rio.



Fado tropical é a canção mais emblemática da obra de Chico Buarque, isso porque foi censurada. A música não chega a ser o fado propriamente dito, pois o fado é cantado por uma só pessoa que seria o fadista e acompanhado por uma viola e a guitarra portuguesa. A canção de Chico Buarque possui o fado (com três estrofes e um refrão) e o soneto melancolicamente declamado por Ruy Guerra.

Título
È complicado fazer a análise de uma letra de música, porque cada um interpreta de uma maneira, mas no caso dessa música, não temos tantas formas de interpretação como nas outras. Logo no título, podemos perceber que temos poucas formas de interpretação. O fado, que é um ritmo português e o “tropical” mexe com a ironia por fazer menção à música “País Tropical” de Jorge Ben, trocando em miúdos, o destino do Brasil como nação, condenado pelo refrão a permanecer para sempre “um imenso Portugal” e o modo de vida “à brasileira”.

Estrofes

O sentido da primeira estrofe parece fora de contexto, mas para as pessoas da época era clara: a referência ao hino nacional e o que era considerada como “gloriosa revolução” de 1964 parecia óbvia. A musa na qual ele se refere é nossa Pátria Amada, Brasil. (“Dos filhos deste bosque és mãe gentil,/Pátria amada,/ Brasil!”)
O dia primeiro de abril tem duas interpretações aceitáveis: o golpe de estado de 64 e pode se tratar também do NOSSO primeiro abril dia 22/04/1500 a descoberta do Brasil.
No refrão podemos perceber a recusa de adaptação ao meio, nele podemos ver o caráter ilusório da nossa independência como nação.
Na estrofe seguinte, ele favorece os traços da nossa terra e fala de uma mulata que, provavelmente é uma escrava. Diz-se do caráter sexual do poder e da violência exercidos.
Acredito que as outras estrofes, estão de fácil entendimento (se lidas com calma)

Conclusão

Recorrendo à poesia, à pintura, ao teatro e à música, os dois artistas traçam um retrato irônico do Brasil como nação em permanente busca de identidade, nos fazendo mergulhar em um perturbador jogo de espelhos da nossa história.






FONTES:

- BEN (JOR), Jorge. “País tropical », LP Jorge Ben. Rio de Janeiro: Philips, 1969.
- BUARQUE, Chico, GUERRA, Ruy. Calabar, o elogio da traição. Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 1980.
11- Luís Alberto (amigo/enciclopédia 24h, ajuda nos momentos desesperados.)

2 comentários:

Gostaria de saber, quando haverá o reconhecimento publico de Chico Buarque de Holanda, não teve o titulo de Rei, porque cantou verdades e não bobagens....

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